Fazer mapas mentais é “difícil”?

O problema pode estar no seu significado para esse conceito

Por Virgílio V. Vilela

Se você tem apenas um significado para “difícil”, então você está tendo problemas. Aqui apresentamos 11 deles; quanto mais você tiver, melhores serão sua opções. E você vai constatar que perguntar se elaborar mapas mentais é difícil não é lá muito preciso.

O impacto de um único significado na vida

Estávamos com visitas, um casal e seu filho de uns 7 anos. Eu estava brincando com um ukulelê que tínhamos dado para nosso netinho, quando o garoto se aproximou, curioso.

Pensei em ensiná-lo algo; não toco o instrumento mas sabia alguns acordes. Buscando ser didático, escolhi o acorde mais simples possível, que consistia em pressionar uma única corda e portanto usar um único dedo. Não funcionou; mostrei a ele como fazer, ele tentou uma vez e se foi, após exclamar: “Muito difícil”.

Reflita por alguns momentos os impactos desse significado de “difícil” no resto da vida do menino. Cada vez que encontrar algo que considere difícil por critério semelhante, vai tender a desistir. Se tiver a opção de desistir, vai fazer isso; se não puder, no mínimo terá um conflito. Um agravante é que o significado desse conceito está inconsciente; enquanto ele não se conscientizar, usará esse significado mecanicamente e não poderá mudá-lo; e, enquanto não mudar, não terá escolha.

Se está em seu pensamento a possibilidade de introduzir mapas mentais como uma ferramenta em sua vida, você pode estar se perguntando: fazer mapas mentais é difícil? Para a resposta, a seguir aprofundo o significado desse conceito tão estrutural para o pensamento e tomada de decisões. E você vai entender por que usei aspas no título desta seção.

Possibilidade 1: complexo

Uma vez visitei um submarino em São Francisco e fiquei impressionado com sua complexidade, a dimensão da estrutura e a infinidade de detalhes necessários para ele funcionar. Nele tinha um torpedo com um corte para ver seu interior: mais estrutura e detalhes por si mesmo.

Também vi um desenho de uma cabeça humana também com um corte: a quantidade de sistemas complexos “empacotados” funcional e harmonicamente em espaço tão reduzido foi também impressionante. Claro, todo o corpo humano é assim.

Algumas coisas podem parecer difíceis por serem muito complexas, isto é, têm muitos elementos e esses elementos têm muitas relações entre si. O fato de algo ser complexo em sua própria natureza é então a primeira possibilidade para que algo nos pareça difícil de conhecer, de entender e de fazer alguma coisa com esses conhecimentos.

Difícil (1): complexo; que envolve muitos elementos com muitas relações entre si

Possibilidade 2: habilidade insuficiente

Todos temos coordenação motora, a capacidade de controlar os membros e outras partes do corpo. Cada movimento simples envolve o acionamento coordenado de múltiplos músculos. Existe a coordenação motora básica, para equilíbrio e uso geral, e outras mais específicas, como para cantar, assobiar, andar de bicicleta e tocar um instrumento.

Falar também é extremamente complexo. Além da coordenação motora específica para controle dos músculos da boca e lábios, há toda uma parte não verbal que pode envolver até posturas, ou seja, muitos outros músculos são acionados e coordenados para acompanhar o que dizemos.

Falar ainda é mais complexo do que a coordenação motora, por envolver a definição do que será dito, na forma de frases, utilizando um vocabulário em que há milhares de palavras, mais regras gramaticais com suas exceções, para não mencionar entonação.

Mesmo sendo usar o corpo e falar coisas tecnicamente muito complexas, todos não só aprendemos a fazer essas coisas como o fazemos sem qualquer instrução específica, isto é, apenas com a capacidade inata de aprender. Leva anos até um bom domínio e há quem domine melhor, claro, mas não há quem tenha um corpo normal que não consiga. Isso é característico de habilidades. Dominar habilidades requer minimamente técnica, saber como fazer algo, e prática, a repetição que conduzirá à execução mais rápida.

Tentar fazer coisas sem ter a habilidade necessária minimamente treinada muito provavelmente resultará em insucesso. Uma pessoa que não tem uma boa consciência de que algo é habilidade e requer treino pode então considerar algo como “difícil”.

Mas por vezes ocorre de não termos uma consciência precisa do que não sabemos, isto é, não sabemos que não sabemos. Certa vez vi um garoto jogando pingue pongue que tentava cortar todo o tempo. Dizer que ele errava não é suficiente, a bolinha “decolava”. Para mim estava evidente que ele estava tentando fazer algo para o qual não tinha a menor habilidade, sem consciência disso.

Difícil (2): Habilidade insuficiente

Uma exceção é quando conseguimos improvisar os comportamentos com base nas habilidades de que dispomos.

Possibilidade 3: didática inadequada

Você acha malabarismo “difícil”? Várias pessoas a quem fiz essa pergunta disseram que sim.

Mas se você analisar o malabarismo básico com três bolinhas em termos dos movimentos que devem ser aprendidos, vai constatar que é apenas um movimento, lançar uma bolinha para a outra mão, em duas variações, da direita para a esquerda e vice-versa. O elemento adicional é a sincronização dos lançamentos. Compare isso com dirigir um automóvel com câmbio manual: controle de volante, pedais e câmbio, mais observação do ambiente notando via, outros veículos e pedestres, entre outras possibilidades, tudo isso com apenas décimos de segundo para tomar certas decisões.

Agora imagine que você vai aprender malabarismo e faz assim:

Em algum segmento, se notar que algo não está bom, você volta e pratica mais só esse segmento. Quando errar, você busca onde está e qual foi a causa do erro para guiar seu plano de exercício.

Assim fazendo, qual é a sua percepção de viabilidade de você aprender o ciclo básico de malabarismo, em um tempo razoável?

Uma das possíveis razões para o malabarismo e qualquer habilidade motora parecerem difíceis às pessoas é elas tentarem começar executando o ciclo de movimentos como um todo. Se você segmentar os movimentos até chegar a movimentos mais simples que consiga executar, conseguirá aprender praticamente qualquer coisa.

Sintetizamos isso como um princípio: o aprendiz aprende fazendo o que sabe fazer. Esse princípio, além de guiar a estruturação de treinamentos, abre possibilidades para um entendimento mais objetivo de erros, como por exemplo, “não consegui por que não sei, e não sei porque não treinei”, ao invés de “não consegui porque sou _________”, sendo a lacuna preenchida por algum conceito/rótulo limitante e improdutivo.

Assim, no contexto de aprendizagem, algo vai parecer difícil quando a didática for inadequada. Isso se aplica a quando há um professor ou instrutor e também quando você é o professor de si mesmo, isto é, está sendo autodidata.

Difícil (3): Didática inadequada

Possibilidade 4: preparo insuficiente

Um violinista consagrado disse certa vez que, para cada segundo de música que ele iria apresentar, ele precisava treinar 3 minutos. O fato é que, mesmo tendo habilidade, ainda podemos precisar de nos prepararmos para fazer algo específico. Isso não é uma regra, depende do nível de domínio da habilidade; há pessoas que se sentam em um piano e tocam uma partitura que nunca viram antes. Embora tomemos decisões todos os dias, eventualmente nos deparamos com alguma que nos desafia, que estão além dos limites atuais das nossas habilidades.

Sem preparo adequado e suficiente, algo pode nos parecer difícil, mesmo tendo habilidade.

Difícil (4): Preparo insuficiente

A propósito, um aspecto interessante de encontrar um limite é que ele nos revela o ponto de melhoria. Essa naturalmente será uma informação relevante para quem tiver intenção de se aprimorar.

Possibilidade 5: caminho longo

Agora considere um problema no computador, cuja solução requer configuração ou uma ação específica. Na primeira vez, pode levar tempo até descobrirmos onde está e qual é a configuração; nas próximas, já sabendo o que fazer, resolvemos o problema em segundos.

Um exemplo é no Windows: quando um vídeo, por exemplo, está em tela cheia, às vezes a barra de tarefas fica sobre ele. A solução, ou pelo menos uma solução, é ir ao Gerenciador de Tarefas e reiniciar o Windows Explorer.

A solução desse tipo de problema não é realmente difícil, mas o caminho até descobrirmos a solução é que pode ser um pouco longo, incerto e talvez tortuoso. Isso se aplica também a quando buscamos algum resultado, sem necessariamente ter um problema.

Difícil (5): caminho longo; não progredir tão rapidamente quanto desejado ou esperado em uma busca por uma solução ou resultado

Possibilidade 6: força insuficiente

Algo que muitos fazemos é abrir a tampa de vidros, por exemplo de azeitonas e palmito. Abrir tampas é fácil, difícil ou algo entre esses extremos? Claro, depende de como está a tampa e os recursos à nossa disposição. Algumas conseguimos abrir somente com a mão. Para as mais duras, há um instrumento próprio (figura).

Difícil (6): Força insuficiente

Geralmente há possibilidades para lidar com dificuldades do tipo força insuficiente. Certa vez tive muita dificuldade para abrir uma tampa de geleia. Não tendo o instrumento referido acima, consegui abri-la aquecendo a tampa. Então notei que eu mesmo tinha tornado essa tarefa mais difícil colocando-a direto na geladeira, onde a contração devido ao frio apertava mais a tampa. A partir daí, passei a fazer a primeira abertura antes de colocar qualquer coisa com tampa na geladeira.

Possibilidade 7: tempo insuficiente

Também algo pode nos parecer difícil em função do tempo disponível para dedicação: preparar uma palestra sobre algo que dominamos é relativamente fácil e pode ser feito talvez até para o dia seguinte; já para algo em que não somos iniciados, parecerá difícil.

Nesse tipo de caso, “difícil” expressa a ideia de que não parece que algo pode ser levado a cabo a tempo com a qualidade definida ou esperada. Em outras palavras, é inviável no prazo definido. Esse limite de tempo pode ser externo ou autoimposto; neste segundo caso, claro, há a possibilidade de ajuste.

Difícil (7): Tempo insuficiente

O nível de dificuldade pode ser então alterado pela definição de mais tempo, quando possível.

Possibilidade 8: mais difícil

Uma vez fiz uma caminhada de 12 quilômetros em uma trilha com trechos difíceis, como uma subida forte que “não tinha fim” logo no início. Nas semanas que se seguiram, eu caminhava por um trecho de uns 2 quilômetros plano e asfaltado tranquilamente como se fosse curto.

E uma amiga me contou que cuidou de seu pai por meses quando ele esteve muito doente e que foi muito, muito difícil. A partir daí, ela passou a não considerar tão difíceis muitos problemas que outras pessoas assim consideram.

O fato é que, em nosso pensamento, fazemos comparações, e isso torna muitas coisas relativas, incluindo obstáculos e até mesmo dores. Assim, algo pode parecer “difícil” muito em função de ser comparado com outro algo que parece fácil ou menos difícil.

Difícil (8): Mais difícil; impressão sentida quando algo a ser feito é comparado com algo que parece fácil ou menos difícil

Este significado nos possibilita por exemplo entender melhor pessoas que acham difíceis fazer coisas que para nós parecem fáceis: a referência de difícil é da pessoa, e comparar com a nossa referência não me parece lá muito apropriado.

Possibilidade 9: improvável

Outra possível acepção para “difícil” ocorre quando algo que está fora do nosso controle precisa acontecer para termos sucesso. Por exemplo, um filho vai pedir algo ao pai que já negou a mesma coisa antes. Nesse caso, a essência do significado é improvável.

Difícil (9): Percepção do resultado como improvável

Possibilidade 10: sem processo

Se você tem que ilustrar algo em um documento, deve saber como pegar a imagem ou como produzi-la, como alterá-la e como inseri-la e posicioná-la no documento.

Quando você toma banho na sua casa, sabe exatamente o que fazer e onde estão os recursos que vai usar, como o sabonete e a toalha.

(www.freepik.com)

Se você trabalha em uma empresa, esta tem as formas de trabalhar definidas: os aplicativos, os documentos a serem produzidos, permissões e restrições.

O fato é que sabemos como fazer as coisas quando temos um processo de trabalho definido; para coisas menores, prefiro fluxo de trabalho. Quando não temos um processo e temos que fazer algo, temos que definir ou descobrir como fazer.

Por exemplo, se você quiser tomar banho na academia, terá que montar um fluxo próprio, levando o que precisa na sacola e eventualmente até escolhendo um chuveiro mais ao seu gosto.

Tentar fazer algo novo sem ter a definição de como fazê-lo, portanto, pode parecer difícil, e temos então outra possibilidade de significado para esse conceito.

Difícil (10): sem processo

Por outro lado, definir fluxos e processos de trabalho pode não ser por sua vez fácil. Se você por exemplo passou a morar sozinho e teve que definir como as coisas iriam funcionar na nova residência, deve ter uma boa ideia do que estou dizendo. Se mudou de empresa, teve que reaprender a fazer onde o processo era diferente. Eu sabia fritar batatas de forma a entregá-las previsivelmente secas e crocantes; foi só não ter a mesma panela para ter que ajustar meu fluxo de trabalho para ter os mesmos resultados. Claro, descobri isso não tendo os mesmos bons resultados. Por isso, poder ter pontos de partida, por exemplo os processos de outras pessoas, pode ser bem interessante.

Um uso interessante deste significado é ter o entendimento de que algo está parecendo difícil porque, no fim das contas, você apenas não tem definido como fazer. Esse entendimento nos direciona imediatamente para o que buscarmos a seguir e assim nos permite sermos mais objetivos.

Possibilidade 11: trabalhoso

Algumas coisas não são complexas, são dominadas mas são grandes, envolvem mais dedicação e não são passíveis de automatização, e assim podem ser chamadas de difíceis. A essência do significado para “difícil” nesses casos é que é trabalhoso.

Difícil (11): Trabalhoso

Sumário

Abaixo um sumário rápido das possibilidades apresentadas para o significado do conceito de difícil.

Enriquecendo

A noção de “difícil”, portanto é total e plenamente relativa. No caso de coisas que fazemos com as mãos nuas, relativa à nossa força e destreza. Em outros casos, será relativa aos recursos de que dispomos ou podemos conseguir. E essa noção também é subjetiva, depende do significado que temos para o conceito, que geralmente tem uma ou mais experiências de referência.

Uma vantagem de ter um significado mais rico para um conceito é aumentar as possibilidades de resposta – inspiração para o que fazer a respeito – quando algo se encaixa no conceito. Algumas possibilidades:

Para a última possibilidade da lista acima, e por exemplo, no caso do pedido ao pai, talvez exista uma forma de fazer o pedido à qual o pai responderia melhor. Uma ideia é fazer uma troca: o que se quer por uma promessa de dedicação a algo que o pai considera importante.

No meu entendimento, o aspecto mais contraproducente do significado que alguém tem para o conceito de difícil é quando esse significado é estático, isto é, as referências são memorizadas, decoradas: tocar um instrumento é difícil, escalar uma montanha é difícil, conseguir certas coisas do pai é difícil. Associado à não-consciência da relatividade, a pessoa perderá muitas oportunidades.

Um princípio geral para tornar as coisas mais fáceis

Uma das coisas que todos fazemos é dividir algo a fazer em partes que, executadas em separado, vão conduzir a completar o todo:

Essa abordagem de divisão é conhecida como princípio de dividir para conquistar. Já demos um exemplo desse princípio na Possibilidade 3: didática inadequada, especificamente para segmentar uma técnica.

De fato, qualquer coisa que fazemos pode ser dividida e subdividida até que se alcance partes que podem ser executadas. Isso se aplica até mesmo a um simples clique de mouse para acionar um botão na barra de ferramentas: localizar o botão, posicionar o mouse, clicar. Um ótimo exemplo é o desenho por cópia usando uma grade (figura).

Qualquer coisa que pareça difícil, portanto, pode ser dividida em partes menores que podem ser trabalhadas em separado.

E mapas mentais constituem mesmo uma ferramenta para essa divisão: ao invés de trabalharmos somente com o texto, por exemplo, mapeamos sua estrutura, gerando uma espécie de “mapa” mesmo que guie nossa lembrança e nosso pensamento. É por isso que em alguns casos eu me refiro ao princípio de estruturar para conquistar. Esse é um princípio ainda mais útil, mas aprofundá-lo não cabe nesta obra.

Mapas mentais são “difíceis”, afinal?

Então, se você se inclinar a perguntar se mapas mentais são difíceis, a resposta é semelhante à da mesma pergunta para tantas outras coisas que aprendemos e fazemos: depende. Você terá a sensação de “difícil” ao lidar com mapas mentais nas seguintes situações, por exemplo:

A respeito da didática, buscando uma forma de facilitar a elaboração de mapas mentais para iniciantes, encontrei a abordagem Modelos & Métodos, que descrevo no Guia de Decisão: Mapas Mentais.


Veja também:

Ebook Guia de Decisão: Mapas Mentais

Conheça, entenda, experimente, decida