Aprenda uma habilidade mais rápido – mesmo que seu instrutor atrapalhe

Somos muito mais capazes de aprender do que acreditamos

Por Virgílio V. Vilela

Uma experiência em que fiz o que jamais imaginaria conseguir fazer e outra em que eu consegui ensinar algo que também não parecia possível. Perdi as referências de limites para o aprendizado de habilidades! Descubra neste artigo que você pode ter muito mais capacidade de aprender do que sabe e direções para aproveitar seu potencial.

Se ele dissesse o que eu ia fazer, eu não acreditaria

Imagine que você está em um treinamento e o instrutor diz que, na próxima atividade, você vai improvisar alguns minutos de teatro, e você não tem nenhum preparo ou experiência. Não só teatro, mas improviso! Pois, em um curso que fiz, no qual o teatro era um recurso acessório, o instrutor conduziu todos os alunos, pelo menos 15, a fazer isso.

Era uma modalidade de teatro chamada de playback theater, em que alguém da plateia conta um caso de sua vida, são escolhidos atores para representar cada pessoa envolvida no caso e eles reproduzem o caso no palco. O ousado instrutor inicialmente não disse o que era, apenas fizemos atividades que gradativamente foram nos levando ao objetivo.

Esse é o exemplo mais belo e eloquente que tenho do que uma boa didática pode fazer, tanto no sentido de capacitar, e muito rápido, quanto no sentido de extrair mais de aprendizes do que eles próprios acreditavam ser capazes.

Aprendizado rápido de frescobol

Acreditar que é possível impele a uma busca que pode tornar possível. Uma experiência que para mim foi referência básica, estrutural, fundamental para uma estratégia de aceleração de aprendizado de habilidades ocorreu em um caso na praia há muitos anos.

Eu estava entediado, sem parceiro para frescobol, e resolvi tentar algo. Chamei minha cunhada, jovem adulta, sem tradição esportiva e que nunca tinha jogado, e fui ensiná-la. Meu imediatismo então parecia pretensioso mas, bem, eu não tinha nada melhor a fazer e tentar ensiná-la pelo menos era algo para fazer.

http://chanelwestcoast.guff.com/best-beach-games-to-play-with-your-besties

Comecei com um exercício muito simples, em que ela equilibrava a bolinha sobre a raquete, e gradativamente fui aumentando a complexidade.

Quando chegamos na parte técnica (o que tem abaixo dela eu chamo de camada subtécnica), eu jogava a bola com a mão, de forma que ela conseguisse devolver, e fui aumentando o grau de dificuldade na medida em que ela adquiria alguma destreza. Uma estrutura assim:

Em menos de meia hora já estávamos jogando. Jogo básico, é verdade, mas, pelas circunstâncias minhas e dela, foi excelente!

Nesse caso eu apliquei intuitivamente o que alguns anos depois eu iria estruturar, na forma de princípios de aprendizagem de habilidades, como por exemplo:

Princípios testados e comprovados são interessantes porque proporcionam ponto de partidas e direções para o pensamento; partir do zero e ter que descobrir tudo por si torna o planejamento muito mais difícil.

Aplicação ao vôlei de praia

Um caso bem legal de aplicação e confirmação desses princípios foi em uma pelada de vôlei de praia em um clube. Estávamos no quórum mínimo de 4 jogadores, e uma garota, nova no grupo, estava errando muito, e aí o jogo não estava fluindo.

(https://www.freepik.com/free-photos-vectors/summer)

Após a segunda partida em que a dupla dela perdeu, chamei-a e fiz um treinamento técnico básico: o problema dela era não saber detalhes das técnicas, como manchete e toque.

Foi parecido com o caso do frescobol, só que partindo de um nível mais alto, porque a garota já sabia o básico. Nesse caso a estrutura foi:

Em particular, treinei-a na variação de se jogar à frente antes de fazer a manchete e também treinei-a em algumas variações do toque. Nesse dia tive uma inspiração: sugeri a ela que visualizasse previamente o que ela queria fazer com a bola.

Tudo isso foi apenas no intervalo entre partidas, poucos minutos. Voltamos então ao jogo.

De cara a dupla dela ganhou a próxima partida. Não me lembro dos resultados seguintes, mas o jogo ficou equilibrado. E teve um lance bem legal: eu, próximo da rede, mandei uma bola curta à frente dela, ela se atirou para a frente e mandou a bola de manchete nas minhas costas, fazendo o ponto!

Como não fazer e mais sobre como fazer

Na aula de tênis, o jovem instrutor vai ensinar a sacar, que considero a técnica mais complexa desse esporte. Ele saca duas vezes e então se dirige à turma: “Façam”.

Note bem o que ele estava pedindo: observar, lembrar e reproduzir postura inicial, posição inicial e movimentos de pernas, braços, mãos, cabeça e ombros, tudo coordenado, e ainda acertando a bola com a raquete em um certo ângulo com uma certa força, sem mencionar o ponto de impacto da raquete na bola e a trajetória intencionada para ela. Para mim era muito, mesmo para aprender por tentativa-e-erro.

Resolvi então sair do fluxo do instrutor e ficar treinando o saque inicialmente sem bola, para pode me concentrar melhor nos movimentos antes de tentar usá-los. É uma opção que já usei bastante e que chamo de segmentação de técnica: divido a técnica em segmentos, que posso treinar em separado, para depois combiná-los, até completar o todo. Geralmente o primeiro passo é retirar bola, raquete ou outro instrumento ou recurso para poder me concentrar no que vou fazer com o corpo e não para que vou usar o corpo.

Esse não deixa de ser um princípio didático: treine como vai fazer. O problema é quando são muitas coisas novas para alguém aprender de uma vez. Por experiência e observação, esses princípios didáticos de habilidades, embora simples, não são óbvios para muitos instrutores ou pessoas que fazem esse papel com as melhores intenções. Por exemplo, passando pelo paredão do clube, feito para tenistas treinarem, vi um pai ensinando a filha criança. Ela com a raquete na mão, ele jogava a bolinha e ela tentava bater na bola na direção do paredão. Tudo de uma vez.

Mas há um cenário que, comparativamente, torna esse tipo de instrução até desejável. Pré-adolescente, me colocaram em uma aula de natação. No primeiro ato da primeira aula, o instrutor me levou para o meio da piscina, aonde não dava pé para mim, e... me soltou! Fiquei apavorado e não voltei mais lá. Bem, pelo menos não fiquei traumatizado com água, piscina, natação ou instrutores.

O que é mesmo “conseguir”?

Estávamos em uma festa com o netinho (foto) então com 2 anos e meio, a avó e eu, brincando com balões. A certa altura, ela e eu controlamos um balão com a cabeça algumas vezes. Em seguida, mandei o balão para o neto e ele devolveu de cabeça 3 vezes antes que o balão caísse. Isso me intrigou muito: sem treino e sem a coordenação motora básica totalmente desenvolvida!

Minha explicação para isso é que, como o balão se movia lentamente, ele teve tempo de pensar o que ia fazer e articular o movimento correto para o cabeceio. Em outras palavras, com tempo suficiente, ele conseguiu improvisar a técnica.

Esse episódio serviu posteriormente para, por exemplo, eu entender dificuldades que estava tendo ao fazer musculação coletiva. Eu queria integrar a respiração nos movimentos mas não estava conseguindo. Em certo momento, um exercício ficou mais lento e eu consegui.

Dissemos que um princípio de aprendizado de habilidades é que o aprendiz aprende fazendo o que consegue fazer. Podemos refinar esse “consegue”: a velocidade em que tentamos fazer algo pode ser determinante.

Essas ideias permitem por exemplo ressignificar uma situação em que estamos tentando executar um movimento e não conseguindo: não há informação ali sobre nossa capacidade, apenas precisamos executar em uma velocidade que conseguimos. Mesmo que em câmera superlenta.

De que somos capazes?

De vez em quando escuto alguém, inclusive várias crianças, dizer “Não consigo” com respeito a algo técnico, do que tipo que praticado se torna habilidade. Eu sei que em alguns casos é alguma conveniência, mas em outros será um tipo de crença limitante, a pessoa se sente menos capaz do que é realmente.

Face ao que apresentei acima, talvez você possa imaginar um pouco de como me sinto. O quanto aquela pessoa deixou e deixará de fazer na vida? Quantas oportunidades serão perdidas, o que ela deixará de fazer e realizar?

Se este artigo contribuiu para pelo menos estimular um questionamento, uma dúvida aonde antes havia um pseudolimite, já valeu a pena.

Resumo prático

Tirando exemplos e fundamentação, o que é aplicável deste artigo, isto é, o que você vai considerar ao planejar treinos, pode ser resumido assim:

Para aprender uma habilidade:

Saber mais

O conteúdo deste artigo é apenas uma pequena parte de um grande todo, que estamos organizando em um livro, em elaboração. Lá você vai encontrar muito mais possibilidades para acelerar seu aprendizado de habilidades e outras evidências irrefutáveis de que nossas limitações para aprender estão muito mais relacionadas à didática do que à nossa capacidade.